Por Cezar Taurion: novas tecnologias e seus impactos
Por causa de minha atividade profissional, tenho muitos projetos e contatos com executivos, tanto de TI como das áreas de negócio. Também conduzo projetos e leio muito sobre inovações e os impactos das tecnologias digitais nas empresas. Assim, observei um fenômeno: mudanças estão ocorrendo em todos os setores de negócio e em ritmo cada vez mais acelerado. Inovações sempre aconteceram, mas estamos vivenciando um ritmo muito mais acelerado de inovações e mudanças.
Muitas vezes, não percebemos, mas um simples olhar para os últimos dez anos, nos mostra que o mundo de hoje mudou significativamente. E tudo indica que, nos próximos anos, as mudanças serão ainda mais expressivas.
Há poucos dias, ao assistir a um documentário na internet que abordava os 20 anos do atentado às Torres Gêmeas, em Nova York, no fatídico 11 de setembro de 2001, me lembrei de que muitas tecnologias comuns hoje, como iPhone e iPad, não estavam presentes no nosso dia a dia em 2001. Do mesmo modo, o YouTube, o Facebook e o Twitter também não. O Google, por exemplo, era apenas um novo buscador que poucos conheciam. Amazon era conhecida como uma livraria online. O comércio eletrônico era incipiente.
Após essas constatações, me surgiu, então, o questionamento: que impactos essas tecnologias estão trazendo para as empresas, para nós e para a sociedade em geral?
Novas tecnologias e seus impactos
Os efeitos transformacionais destas inovações são impactantes. Por exemplo: à medida que as fontes mais antigas e tradicionais de crescimento econômico, baseadas na sociedade industrial, vão diminuindo, as perspectivas de dinamismo e prosperidade dependerão muito mais do empreendedorismo que explore e estenda as fronteiras tecnológicas.
Surge uma questão: para sustentar o progresso da sociedade, precisamos dar fim ao “velho”, abrir espaço e estar aberto ao “novo”? Na verdade, é a constatação prática formulada por Joseph Schumpeter, em seu conceito de destruição criativa. Suas ideias estão perfeitamente alinhadas com o momento atual. Estamos diante de um cenário onde as fronteiras da inovação tecnológica e social estão sendo cada vez mais ampliadas.
As inovações tecnológicas estão aí, palpáveis e produzem quase diariamente novas ideias e paradigmas. A rápida disseminação, em âmbito mundial, de mídias sociais e dispositivos móveis, smartphones e wearables, estimula a tomada de decisões descentralizadas, porém mais engajadas e conectadas. Estas mudanças afetam todas as empresas. Seus modelos organizacionais e de gestão devem ser repensados. Até mesmo as empresas mais bem estabelecidas, para terem chance de sucesso neste novo mundo, precisam estar plenamente dispostas a envolver-se em destruição criativa e reinventar-se de cima a baixo.
Inovação sempre existiu no mundo. Se um indivíduo que vivesse na Terra, na virada do século 19 para o 20, viajasse pelo tempo e caísse de supetão em 1950, ficaria espantado com as tecnologias à sua volta. Em vez de carruagens puxadas por cavalos, veria ruas e estradas apinhadas de carros, caminhões e ônibus. Veria imensos edifícios de dezenas de andares, pontes gigantescas em rios e baías, e aviões levando centenas de passageiros de um continente ao outro, em uma viagem de poucas horas e não mais de longos dias. Teria contato com maravilhas como aparelhos de TV, refrigeradores, máquinas de lavar roupa, e assim por diante. Também se impressionaria com a eficiência dos supermercados e tomaria conhecimento de que doenças anteriormente fatais eram controladas com simples injeções ou comprimidos. Isso em 1950.
E se você nascesse em 1950, dormisse e acordasse agora, 70 anos depois? Veríamos um mundo imerso na tecnologia digital, com uma internet no nosso bolso nos permitindo fazer praticamente tudo que quisermos. Estamos conectados com quaisquer pessoas em qualquer lugar do mundo e fazemos reuniões com pessoas em dezenas de países diferentes, como se estivessem ao nosso lado. No mundo digital, a distância morreu.
Conhecimento e informação
O que temos diferenciado hoje, portanto, são os meios de comunicação, a colaboração e a velocidade com que as inovações aparecem. Tais elementos possuem ligação com o conhecimento e a informação. O conhecimento é um recurso infinito e dinâmico, gerado e potencializado pelas atividades de colaboração, sejam estas internas ou externas à empresa. Cabe ressaltar que conhecimento e informação têm significados distintos.
Conhecimento é uma informação validada e aplicada em algo prático. Ele pode ser gerado, por exemplo, quando equipes de trabalho se engajam em um problema e geram uma solução. Além disso, o conhecimento aumenta de valor quando é usado, compartilhado e incrementado por novas interações. A colaboração é a base para tornar o conhecimento vivo. A troca de informações entre pessoas leva à inovação e à geração de novas ideias. Inovação não floresce em um ambiente isolado e fechado!
O resultado destas rápidas transformações e inovações se refletem em números. Um exemplo é o tempo médio que uma empresa permanece no S&P 500. Em 1920, era de 67 anos e passou a menos de 15 anos atualmente.
Entretanto ainda conservamos costumes de décadas passadas. Métricas e análises de empresas baseadas em um mundo pouco conectado e analógico na sua essência. Por exemplo, a obsessão por resultados de curto prazo é destrutiva e limitam o que os gestores das empresas podem fazer.
A pressão vem dos investidores e eles acreditam que o curto prazo lhes é vantajoso. Assim, o “curto-prazismo” faz com que os gestores fiquem tão concentrados em atingir as metas do trimestre, que muitas vezes acabam por destruir valor em vez de criá-lo. Este padrão tem que ser mudado, caso contrário a taxa de sobrevivência empresarial será cada vez menor.
Comunidades de inovação
Para mim, as empresas que tornaram a inovação parte da sua estratégia habitual aprenderam a aproveitar a energia criativa e as ideias de funcionários em todos os níveis e funções. Mas como elas conseguiram isso? Eles dizem que a resposta está nas comunidades de inovação.
As comunidades de inovação são um meio de dar nova forma e propósito ao conhecimento que seus empregados já possuem. As discussões detalhadas que costumam acontecer, lideradas pelos gerentes de alto escalão, muitas vezes representam o motor mais produtivo e econômico para uma empresa aumentar seu lucro.
Mas, inovação em cartazes nas paredes e nas ações de fato, são diferentes. Entendo que os pontos mais importantes para criar uma comunidade de inovação bem-sucedida são:
1) Criar espaço para inovações. Geralmente executivos e funcionários não têm tempo para sentar e trocar experiências. As empresas devem abrir espaço nas agendas para que todos compartilhem ideias. A inovação não pode e nem deve ser centralizada em um departamento de inovação. Essa área de inovação, tão em moda hoje, deve ter o papel de impulsionar inovação, mas não ser ela a única fonte de inovação. É arrogante pensar que um pequeno grupo de pessoas, por mais talentosas e criativas que sejam, se tornem capazes de inovar mais que milhares de funcionários que estão espalhados pela empresa. E muito menos serem mais inovadores que as milhões de pessoas que estão fora dos muros da empresa.
2) Garantir pontos de vista variados. É essencial envolver pessoas de funções, localizações e níveis diferentes, por causa de suas perspectivas únicas, mas também para garantir que as ideias sejam aceitas pela empresa inteira. A diversidade é essencial para que inovações consistentes surjam.
3) Criar um diálogo entre a gestão e os participantes. Transparência é fundamental e abertura a feedbacks, positivos e negativos, é essencial para que ideias fluam sem censura.
4) Convidar os funcionários a participarem da comunidade de inovação, sem fazer uso de pressões. E, claro, não esquecer de rever os procedimentos de avaliação e desempenho, que muitas vezes ignoram as contribuições inovadoras, concentrando-se apenas nos resultados estipulados pelas metas a serem alcançadas.
5) Aproveitar talentos e energias ociosas ajuda a diminuir o custo de desenvolvimento de um produto. A multidisciplinaridade é requisito para o sucesso de qualquer produto a ser lançado. Percepções e visões diferentes ajudam a entender todas as nuances de demanda do mercado.
6) Medir os resultados. Inovação deve trazer resultados tangíveis para a organização.
Portanto, novos tempos, novas maneiras de pensar. Talvez estejamos às portas de uma nova revolução de tanto impacto na sociedade como foi a industrial, no século 19. Só que em vez de máquinas a vapor, teremos informação e conhecimento como molas propulsoras. E a internet como plataforma de conexão da sociedade.
Mundo cada vez mais digitalizado
Em um mundo cada vez mais digitalizado, temos que nos acostumar com a capacidade que a tecnologia digital tem para construir e descontruir coisas tão rapidamente. Por exemplo, podemos analisar a rapidez do sucesso do Instagram, vendido para o Facebook por um bilhão de dólares, em 2012, 18 meses após seu lançamento. Hoje tem mais de um bilhão de usuários e projeta uma receita para 2021 de 18 bilhões de dólares.
Mas, no mundo digital, os recordes também têm vida curta. Um aplicativo lançado em meio a pandemia em 2020, o Clubhouse, se tornou um fenômeno e hoje praticamente desapareceu. O Clubhouse apareceu como um meteoro. De um dia para o outro virou febre e quem fosse “cool” tinha obrigação de estar nele e muitos diziam que passavam horas ouvindo os debates. Exagero, pois quem tem disponibilidade para passar horas ouvindo debates, não deve ter muita coisa útil para fazer na vida! Chegou a mais de 10 milhões de usuários ativos por semana e atraiu uma multidão de investidores.
Mas, para algum serviço se tornar sustentável, ele tem que resolver um problema real. O Clubhouse resolve que problema? Se ele sumisse hoje, que impactos na vida da pessoa isso acarrearia?
O que vimos é que ele apareceu e desapareceu de um dia para o outro. Hoje quase ninguém fala mais no Clubhouse. Ele perdeu a competição por algo que é imutável: o tempo. Na briga pelo mesmo minuto de atenção, ele não conseguiu sustentar a curiosidade inicial, que gerou o hype, e acabou perdendo espaço para as outras redes sociais que já existem, como FB, Instagram, Youtube, TikTok, e outros. Essas redes também criaram seus similares, que ajudaram a matar o interesse.
Hoje, o Clubhouse, apesar de um pequeno repique quando do lançamento de sua versão Android, está na 35˚ posição em termos de download da AppStore. E com tendência de queda.
Que aprendemos com isso?
1. Clubhouse surgiu em um momento único, em meio a uma pandemia, quando todos estavam em distanciamento físico e buscavam criar laços sociais, e tinham que ser digitais, o tempo todo, para suprir a carência dos contatos físicos.
2. Cresceu tão rápido, que começou a gerar milhões de conversas com desconhecidos, que tinham pouco a agregar uns aos outros. Os nomes (celebridades) que chamavam atenção, sumiram e, portanto, os debates ficaram sem atratividade.
3. Como aos poucos a vida vai se normalizando, os contatos físicos estão sendo reativados, ele vai perdendo interesse. Como ele não conseguiu criar uma comunidade sustentável, quem o larga, não tem motivação para reativar sua conta. Deixou de ser relevante, pois a motivação para seu uso acabou.
4. O que vem rápido, vai rápido…a não ser que forneça algo que resolva problemas reais.
O Clubhouse, no meu entender, é um exemplo de um serviço que serve para uma única ocasião e que quando essa ocasião desaparece ele desaparece. Digamos, algo como um sistema de apoio a uma inundação. Depois que a catástrofe termina e a vida volta ao normal, ele perde a razão de ser. Assim bye bye, Clubhouse. Foi divertido enquanto durou.
Isso nos faz pensar: será que sucessos como o Google e o Facebook estarão entre nós daqui a vinte anos? Há décadas, as gerações viviam mais ou menos de forma similar. Hoje, em poucos anos, as mudanças tecnológicas afetam a maneira de ser e pensar de uma geração para outra. E as empresas tecnológicas que fazem sucesso em uma geração não necessariamente sobrevivem aos desejos e expectativas da próxima. Entre 1994 e 2001, as empresas líderes no mundo da internet eram Yahoo, Netscape e AOL. O Google estava nascendo. Atualmente, essas pioneiras desapareceram ou são simples sombra do que foram. A partir de 2005, as mídias sociais começaram a ser o foco de atenção da internet e vimos surgirem empresas como Twitter e Facebook.
As empresas da geração anterior não conseguiram se adaptar ao mundo da internet social, o próprio Google não conseguiu chegar perto do sucesso do Facebook com suas iniciativas próprias como Orkut e Google+.
A lição é clara. Neste ritmo, as empresas, mesmo as bem-sucedidas, precisam se renovar constantemente. Os fracassos devem ser encarados como lições aprendidas e não erros crassos. Thomas Edson costumava transmitir a ideia de que não se pode dizer que foi um fracasso, e sim uma lição, pois desse modo sabe-se o que não funciona.
É preciso discernimento e até mesmo coragem para enfrentar as mudanças que a vida exige. Quem fica em dúvida paga uma conta muito alta, já que para alcançar quem saiu na frente e ousou é preciso mais ousadia. Uma frase lapidar que vi em um para‑choque de caminhão mostra o valor da ousadia: “Boi lerdo só bebe água suja”. Assim, para romper paradigmas é necessário inovar.
E a frase de Alexandre Graham Bell diz tudo: “Nunca andes pelo caminho traçado, pois ele conduz somente aonde outros já foram”. E certa vez um repórter perguntou ao líder espiritual tibetano, Dalai Lama, o que ele faria se descobrisse que estava indo pelo caminho errado. Ele respondeu, simplesmente, que repensaria em tudo o que defendeu até então e buscaria novos caminhos.
A conclusão é clara. Esta é a senha: novos caminhos!
Cezar Taurion é Sócio da Kick Ventures e VP de Estratégia e Inovação na Cia Técnica, mentor e investidor em startups. Conheça aqui sua trajetória e como ele se tornou um dos maiores nomes em Tecnologia da Informação no Brasil.
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