Disney: aquisições de empresas estão comprometendo o dna da marca?

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Por Claudemir Oliveira,

Disney: aquisições de empresas estão comprometendo o dna da marca? Esse é um dos temas interessantes ligados a esta empresa extraordinária e que não pude abordar quando escrevi sobre a vida de Walt Disney (Walt Disney: de Marceline para o mundo, pela editora Senac). Afinal, se tratava de uma biografia e não tive tempo de entrar em muitos detalhes do lado corporativo da empresa.

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Acompanhei de perto essas aquisições da empresa. Fui contratado pela Disney para abrir a divisão Parks & Resorts, em 1995, no Brasil, e fiquei até o ano de 2010, sendo que em 2000 fui transferido para a matriz em Orlando, onde vivo até hoje. Admiro a gestão do Michael Eisner/Frank Wells e, posteriormente, a gestão do Robert Iger. Peguei 10 anos da gestão Michael (1984-2005) 5 anos da gestão Bob Iger, que continua como CEO da empresa, anos de crescimento espetacular.

Já no meu primeiro ano da empresa, em 1995, Michael Eisner foi responsável pela compra da rede de televisão ABC, por US$ 19 bilhões. Com a compra da ABC, a Disney também adquiriu 80% da ESPN, além de History Channel, etc.

Na gestão do Bob Iger, muito bem preparado pelo próprio Eisner, a empresa, em 2006, comprou a Pixar por US$ 7.4 bilhões; em 2009, a Marvel foi comprada por US$ 4 bilhões e a Lucasfilm, em 2012, por US$ 4,06 bilhões;  em dezembro de 2017, comprou 21st Century Fox, por nada mais nada menos que US$ 52.4 bilhões. Nesta transação, a Disney também assumiu uma dívida da Fox no valor de US$ 13,7 bilhões, o que eleva a operação para US$ 66,1 bilhões. Bob Iger ainda foi responsável de uma “reconciliação” com o sobrinho de Walt Disney, já que Roy tinha tido problemas de relacionamento com Eisner que explico em parágrafos seguintes.

Disney: a marca está correndo riscos?

Houve outras aquisições nesses anos todos, mas essas são as principais. Claudemir, o que esses fatos têm a ver com a possibilidade de riscos de arranhar a marca Disney? Deixarei para o último parágrafo esta explicação, pois preciso de alguns outros dados aqui antes de chegar a alguma conclusão, mesmo que totalmente subjetiva. Isto não é ciência. É apenas uma opinião de alguém que trabalhou por 15 anos na empresa e a ama de paixão. Você pode, e não teremos nenhum problema, discordar de tudo o que escrevo aqui, pois, repito, se trata de um texto subjetivo, opinativo.

Na década de 80, a Disney estava numa situação financeira complicadíssima, bem próxima da falência. O livro Storming The Magic Kingdom (numa tradução livre, “tempestade no reino mágico”), escrito por John Taylor, e um dos livros que li várias vezes antes de terminar minha biografia sobre a vida de Walt Disney, narra em detalhes aquela época.

O sobrinho de Walt Disney, Roy Edward Disney, (terceiro da foto acima) que também tive o privilégio de vê-lo várias vezes, percebeu que precisava salvar a empresa que seu pai (Roy Disney) e seu tio (Walt Disney) tinham fundado.

Na época, Roy se reuniu com os maiores acionistas, principalmente Sid Bass, e teve a ideia de trazer de volta para a empresa um estilo de liderança parecido com o estilo de seu pai e de seu tio. Na época, chegaram à conclusão que Michael Eisner seria o criativo (como era Walt Disney) e Frank Wells seria o financeiro (como era Roy Disney). Abro um parêntese apenas para explicar que, originalmente, os dois teriam poderes iguais. Mas Michael Eisner (e seu ego incomparável) disse que não dividia poder. Veja, abaixo, como se parece com a visão de Walt Disney sobre ter apenas uma pessoa no holofote. Até nisso, os dois se pareciam e, talvez, se explique porque deu tão certo.

A estratégia do sobrinho de Walt Disney funcionou de forma extraordinária. Michael Eisner trouxe um estilo de liderança que recuperou a empresa em praticamente todos os setores, em especial, a divisão Parks & Resorts. Nesta área, Michael percebeu que a hotelaria seria a grande aliada para salvar os parques. Acertou em cheio. Até hoje copiam esse modelo aqui em Orlando, no Brasil e no mundo. Há anos, em meu trabalho com clientes desse segmento, enfatizo a importância da hotelaria, incentivo estratégias nesse sentido, principalmente quando se trata de parques. Os resultados têm sido bem positivos.

Abro um parêntese para explicar que Michael Eisner, para não dizer a Disney, tentou copiar o modelo de hotelaria, que salvou os parques em Orlando, na Disneyland Paris e não deu nada certo. Um erro até bem básico. Colocaram vários hotéis ao lado do parque quando abriu pensando que iriam ter ocupação máxima e, como consequência, iriam encher o parque. O erro grosseiro é que do centro de Paris para o parque leva uns 40 minutos.

Como o parque era muito pequeno quando abriu, as pessoas preferiram ficar em Paris e se deslocar um ou dois dias para o parque. Daí, veio o desespero para abrir o segundo parque, Walt Disney Studios, uma centro de entretenimento noturno, para tentar justificar que os clientes pudessem ficar mais tempo dentro da propriedade. Subestimaram Paris. Simples assim. Pensaram: os clientes virão para nosso mundo mágico e todo dia se deslocam para Paris ou arredores. Arrogância? Ego? Michael foi decisivo na opção da Disney de escolher França e não Espanha, dois países “finalistas” para receber o empreendimento. Em meu livro, explico porque essa decisão.

Aquisições de empresas que não tinham a filosofia da Disney

Agora, começo a tocar no tema do título. A empresa começou a crescer muito e fez algumas aquisições de empresas que não tinham totalmente a filosofia da Disney. Um exemplo clássico foi a Touchtones Pictures. Um dos filmes mais violentos (dentro do contexto familiar da Disney) da época foi Pulp Fiction. O sobrinho do Walt Disney começou a perceber que aquele crescimento estava começando a fugir do foco do storytelling da Disney que seu pai e tio fundaram em 16 de outubro de 1923, numa garagem, com 500 dólares emprestados na casa do tio Bob.

Essas aquisições geraram atritos, principalmente entre Michael Eisner e Roy Edward Disney. A situação chegou num ponto tão insustentável que o próprio Roy “decidiu” sair do conselho da empresa por discordar da magalomania (o que é verdade) de Michael Eisner. Na verdade, a história completa é que o Michael arrumou um “jeitinho” de afastá-lo antes do tempo, ao criar, junto aos acionistas, uma nova regra de idade para aposentadoria. Imaginem quão furioso Roy ficou. O próprio Roy criou um site chamado www.savedisney.com (salve a disney) onde pedia aos acionistas para tirarem Michael Eisner. Veja como o mundo dá voltas. O sobrinho o trouxe, ele fez um trabalho extraordinário, mas agora Roy precisava domar seus impulsos de fugir da cultura Disney. Resumindo, briga de cachorro grande como dizemos por aí.

Como disse no começo desse artigo, sou um admirador da gestão de Michael, mas, ao mesmo tempo, não posso negar que o ego dele era igual ou maior que o do próprio Walt Disney. Muita gente não sabe, mas ele “brigava” com todo mundo que se metia na sua frente, incluindo o sobrinho, a filha Dianne Disney Miller e até Steve Jobs. Sim, Steve Jobs.

Ainda sobre ego, em meu livro, narro a passagem em que Walt Disney decide mudar o nome de Disney Brothers Studio para Walt Disney Studios. Ele achava que o holofote só deve ter uma pessoa na mira. E era ele. Roy Disney era o gênio que trabalhava por trás nos bastidores. Aliás, nem estaríamos aqui hoje falando desse assunto se não fosse por esse irmão extraordinário chamado Roy Disney. Ele salvou a Disney várias vezes, mesmo sendo tirado do holofote. Aliás, como amante da história deste homem, acho que o Magic Kingdom não deveria ter jogado, literalmente, para escanteio a estátua de Roy Disney com Minnie Mouse. Ficava na entrada principal, agora está ao lado do banheiro. Para um fanático como eu, um erro bem grave. Mas quem sou eu?

Alias, Walt Disney questionaria Starbucks na Main Street USA até por uma questão histórica. Ali, é a representação de Marceline, um tema que certamente Starbucks não entraria. Ele também lutaria com a internet livre, por razões de filosofia. Lógico, um CFO de uma Disney não pode resistir aos milhões que são economizados em publicidade com tantas fotos gratuitas ganhando o mundo. Divaguei um pouco aqui, apenas para mexer com vários aspectos da empresa: cultura, mundo atual, adaptação, reinvenção, etc.

Mas temos de tirar o chapéu para Michael nessa disputa com Steve. Quando entrei na Disney, em 1995, foi o ano de lançamento de Toy Story. Ninguém sabia que seria um sucesso astronômico, mas Michael Eisner deveria saber, pois apostou na Pixar. Como Steve, nem Pixar, tinha certeza desse sucesso e precisava urgentemente de uma distribuidora, a Disney caía como uma luva. Michael Eisner se “aproveitou” da situação fazendo uma negociação onde a Disney levava praticamente tudo e a Pixar ficava com muito pouco. Estou fazendo aqui uma generalização, sem usar números, mas apenas passando uma ideia geral do que realmente aconteceu.

Steve Jobs, depois do sucesso, começou a ter problemas sérios com a Disney (diga-se Michael Eisner) exatamente pela negociação inicial. O sobrinho de Walt Disney, Roy, mais uma vez tentou entrar no meio, pois sabia do valor da Pixar (mas vamos ser honesto, o Michael viu primeiro). Tudo isso culminou com a compra da Pixar pela Disney pelos US$ 7.4 bilhões, em 2006, já na gestão Bob Iger. Com essa transação, Steve Jobs passou a ser o maior acionista da Disney. Você sabia disso? Falando em aquisições, em visitas técnicas que Seeds of Dreams Institute faz aqui nos EUA, uma delas é a Apple. Em tom de brincadeira, quando eu “endeuso” o poder da marca Disney, meu amigo Gary da Apple sempre brinca: Claudemir, cuidado, nós podemos comprar a Disney CASH… isso mesmo, à vista.

Época de maior crescimento da Disney

Então, recapitulando, para poder terminar este texto, a Disney, na época de maior crescimento, sob a gestão de Michael Eisner, começou a sair um pouco do foco central do legado deixado pelos fundadores. Pulp Fiction é apenas um exemplo. Ele se metia em tudo. Nos parques, por exemplo, a autorização da construção dos hotéis Swan and Dolphin teve seu dedo. Não poderiam ser tão altos pelos padrões filosóficos da Disney.

Em geral, Walt Disney não queria visual externo sendo visto de dentro de parques, um problema que ele teve na Disneylândia na década de 50. Basicamente, ele não queria misturar realidade com fantasia. Um erro estratégico na Disneylândia em 1955 resultou no que chamamos hoje de Walt Disney World Resort, na Flórida. Sim, o maior centro de entretenimento do mundo é um resultado de um “erro” estratégico da Disneylândia. Ele comprou pouca terra e não teve controle sobre os arredores. Orlando foi a resposta para resolver a questão de espaço e evitar visual externo dentro da magia. Mas, por questão de espaço, não vou me aprofundar nisso aqui.

A pergunta de um bilhão de dólares é com relação ao momento atual da empresa. Até que ponto Lucasfilm (Star Wars), Marvel (Homem de Ferro, Capitão América, Homem Aranha, Hulk, Thor, etc), têm no DNA a cultura Disney? Até que ponto essas aquisições têm o que chamo de conceito “high touch” (alto apelo EMOCIONAL) que a Disney sempre teve? Ou seria uma forma de a empresa se reinventar para o futuro?

Note que não estou discutindo aqui se essas aquisições foram boas ou más do ponto de vista financeiro. Não estou questionando a legião gigante de fãs dessas marcas. Não é isso. Vou mais longe: o que a Disney tem feito com a marca Marvel, Lucasfilm é absolutamente genial para dizer o mínimo. Os caras conseguiram renascer, para não dizer ressuscitar, personagens esquecidos pelo tempo. É bem mais profundo o questionamento do meu artigo. Que a Disney vai faturar bilhões com as sequências de Star Wars não deve nem ser cogitado por mim ou por você. A pergunta é, por exemplo, se o Disney’s Hollywood Studios vai ser Disney’s Hollywood Studios ou um “monte” de temas misturados (diga-se de passagem, não comum na cultura da companhia, especialmente porque foi Walt Disney quem criou o conceito PARQUE TEMÁTICO); assim como sabemos que a empresa gerará lucros extraodinários, pelo menos a curto e médio prazo, não há como negar que a cultura do legado de Walt Disney é “arranhada”, mesmo que levemente. A questão é saber se, a longo prazo, todas essas misturas não podem sacrificar o próprio dna Disney. Mas, temos de levar em consideração outro fator: pode ser uma reinvenção para um novo mundo e um novo mercado.

Eu quando abri o escritório da empresa em 1995, grupos de adolescentes amavam tirar fotos nos parques com Mickey e Minnie. Hoje, muitos acham um verdadeiro “mico”. Ou seja, a Disney pode estar atenta a isso. Sem contar que essas aquisições fazem parte de uma estratégia maior que é chegar ao consumidor final através do “streaming”. Ela está criando sua própria “Netflix” e essa variação de conteúdo é vital.

Estou trazendo esse questionamento porque Walt Disney era um gênio de um foco inigualável. Só para vocês terem uma ideia, Toy Story 2, 3, 4 etc jamais existiriam na mentalidade dele. Ele dizia que seria um sinal claro de falta de criatividade. Portanto, repetição de fórmulas de sucesso não fazia parte de seu vocabulário. Já imaginou Branca de Neve 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7? Seria o sinal que a empresa não seria mais criativa. Quando ele comprou as terras em Orlando, os executivos se preocupavam com rodovias, aeroportos. Ele questionava: desde quando vocês entendem de rodovia ou aeroporto? Todos ficavam sem respostas. Ele seguia: vamos fazer o que sabemos fazer, vamos focar em parques e o resto vem.

Uma questão curiosa que me fez escrever esse artigo é também uma preocupação. Quando estava na empresa, entre 1995 e 2010, a Disney NÃO tinha tanto interesse em divulgar que, por exemplo, a Touchstones Pictures era um estúdio que pertencia à organização. Por que? Porque a Disney sabia que um filme como Pulp Fiction não fazia parte de sua cultura, ou seja, não estava dentro de um “padrão familiar”. Nem mesmo ESPN era falado com tanto entusiasmo ser da Disney porque sabíamos que tinha um foco 1000% fora do contexto da empresa. Note que isso é verdade até os dias de hoje. Muita gente não sabe que a ESPN faz parte da corporação.

Hoje, não vejo essa preocupação que havia na época que estive lá. Hoje, a vontade de falar que é dona de todas essas marcas me parece muito mais forte que naquela época. Lógico, estamos em épocas diferentes. Hoje, vemos claramente uma preocupação com relação à aquisição em si, toda divulgação, e ao lado financeiro do negócio. Estariam negligenciando o dna da marca? Estou apenas perguntando. Só isso.

Repito, isso é um texto de reflexão de alguém que ama a Disney. É muito mais que apenas o lado de finanças nessas aquisições; é um artigo sobre a possibilidade de essas aquisições acabarem sendo “estranhos no ninho”. Estranhos no ninho podem fazer festas no primeiro momento, mas as diferenças podem aparecer a médio e longo prazo. Legado, cultura é algo que não desaparece da noite pro dia.

P.S. Outra diferença vital: o sobrinho, Roy Edward Disney, e a filha de Walt Disney, Dianne Disney Miller, não estão mais vivos para serem ouvidos. Um detalhe que não pode ser menosprezado.

Claudemir Oliveira é o fundador e presidente do Seeds of Dreams Institute.