A Inteligência Artificial é uma tecnologia transformadora

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Por Cezar Taurion

A Inteligência Artificial (IA) é uma tecnologia transformadora, assim como foram a eletricidade, o motor a combustão interna e a Internet. E o que é uma tecnologia transformadora? É uma tecnologia que muda e molda a sociedade. Como a eletricidade mudou e moldou a nossa atual sociedade, a IA já vai mudar e moldar a sociedade na era digital. Não é por acaso que mais de 50 países tem Políticas de Estado com relação à IA. Se fosse apenas uma tecnologia sem maiores implicações, não seria alvo de políticas de Estado.

Diante desse contexto, as empresas não podem subestimar o poder transformador da IA em seus negócios. Entretanto, a IA não é apenas um desafio tecnológico, mas pelo contrário é, principalmente sobre pessoas. Existe e com razão, muita preocupação com os efeitos da IA nas profissões e empregos. A automação, mesmo sem IA, eliminou muitas profissões, algumas operacionais, como cocheiros, ascensoristas, datilógrafos e telegrafistas, mas também outras bem especializadas como os navegadores e engenheiros de voo que existiam nos cockpits das aeronaves de 40 anos atrás. Por outro lado, a automação criou novas funções como motoristas, desenvolvedores de apps para smartphones e até mesmo impensáveis atividades como instagramers e youtubers.

Uma observação mais atenta do que a automação nos trouxe até hoje, mostra que algumas funções que se tornaram obsoletas foram substituídas por outras, também executadas por pessoas, como a substituição de cocheiros por motoristas. Também nos mostra que a automação substituiu funções automatizáveis por excelência, que dependiam basicamente de atividades operacionais ou repetitivas.

Entretanto, a velocidade da revolução que estamos vivenciando e o uso intensivo da IA, vai alcançar outra camada da sociedade, até então imune à automação, como os “white collars”, como advogados, contadores, auditores ou médicos. As novas funções e tarefas que serão geradas, serão aquelas que requerem mais conhecimento e raciocínio cognitivo. Demandam criatividade e inovação.

Além disso, a overdose de tecnologia disponível desde a infância diminuiu em muito a interação face-to-face, tendendo a criar entropia nas habilidades sociais e emocionais. Não é em absoluto evitar o uso da tecnologia, mas equilibrar a interação por smartphones e vídeo-conferências com as presenciais. Isso vale também para a crescente adoção do trabalho remoto, que deve ser equilibrado com interações pessoais.

A Inteligência Artificial potencializa nossa capacidade cognitiva

O impacto da IA chegando às áreas de conhecimento especializado muda radicalmente nossa percepção sobre o efeito da automação. Antes era consenso que a automação afetava apenas as atividades operacionais, como nas linhas de produção de uma fábrica. Mas agora percebemos que, com a IA, podemos vê-la atuando em atividades mais mentais do que manuais, que envolvem tomadas de decisões, que tradicionalmente abrange pessoas com formação universitária e atuam no extrato profissional considerado superior.

A diferença fundamental na aplicação da IA é que enquanto as tecnologias anteriores como o automóvel e o trator potencializaram nossa força física, a IA potencializa nossa capacidade cognitiva. A IA aumenta nossa inteligência, assumindo as tarefas de rotina, reduzindo a demanda humana por essas tarefas. Por outro lado, permite criar novas oportunidades que não existiam antes, permitindo que nós humanos, dediquemos mais tempo ao trabalho criativo.

Máquinas não têm empatia, criatividade ou imaginação

As máquinas são muito boas para executar tarefas repetitivas, fazer cálculos com extrema rapidez e recuperar informações dispersas por diversos lugares. Mas, as máquinas não têm empatia, criatividade ou imaginação. Elas não têm emoção e, portanto, são nulas em Inteligência Emocional.

O diferencial humano estará na nossa capacidade de criatividade, flexibilidade, emotividade, motivação, liderança, relações interpessoais, ponderação, empatia e senso comum. Infelizmente, a nossa atual formação acadêmica não enfatiza muitos destes aspectos em seus conteúdos programáticos. Uma academia tradicional, atuando muito mais como um fábrica, gerando profissionais de forma similar à produtos acabados e padronizados, não incentiva estas habilidades. Ainda vemos muito do modelo educacional do século 19, com alunos sentados ouvindo um professor e fazendo anotações. É um modelo que limita a criatividade.

A tecnologia nos ajuda muito na análise de dados, mas a tomada de decisões exige retórica e poder de síntese. Se o processo decisório for meramente automático, a máquina assumirá 100% do trabalho. Um algoritmo de IA poderá apontar com precisão superior à de humanos um câncer em uma radiografia. Mas o algoritmo não tem a mínima ideia do que é um câncer e seu impacto emocional na vida da pessoa que tem a doença. O papel do humano será, portanto, não de fazer o trabalho da máquina, analisar uma imagem, mas de usar o seu forte, empatia e sentimento, para, descoberto o câncer, ajudar na cura e melhoria do paciente.

O exemplo da medicina pode ser emblemático. Nós, humanos, não conseguimos correlacionar muitas variáveis ao mesmo tempo. Assim, simplificamos nosso processo de classificação de doenças, como linfomas, caracterizando sua gravidade em estágios, baseados no tamanho e número de tumores, seus formatos e distribuição pelo sistema linfático. Adotamos métodos simplificados pelas nossas limitações de correlacionar múltiplas variáveis e para facilitar a memorização no aprendizado da medicina. Estas variáveis são denominadas “strong features” que são características bem marcantes e fáceis de guardar. Com algoritmos conseguimos mapear dezenas de outras variáveis já identificadas pelas pesquisas médicas e deixar que os algoritmos consigam correlacioná-las, tornando a classificação e consequentes decisões de tratamento muito mais assertivas. Assim, a máquina ajuda o médico, tornando-o mais capaz. A IA não vai substituir o médico, mas complementar sua prática profissional. Mas, o médico que não usar IA vai sim, substituir o médico que não usar IA.

Vantagem competitiva

O cenário já está desenhado. Mas como as empresas devem se preparar para atuar de forma competitiva nele? De maneira geral a formação acadêmica e a maioria das exigências de descrição de cargos nas empresas concentraram o foco nos chamados” hard skills”, com pouca ênfase nos “soft skills”, as habilidades sociais e emocionais. As empresas devem se reposicionar para a substituição do que chamamos de RH, de Recursos Humanos para Robôs e Humanos. Isso passa pelo maior foco nos “soft skills” e naturalmente mudanças nos modelos organizacionais, processos e empoderamento dos funcionários.

Para isso acontecer, é necessário que a liderança assuma um papel de “AI-driven leadership”, se engajando de corpo e alma com a transformação do negócio, com uso intensivo da IA.

Para assumir essa liderança, recomendo alguns passos:

  1. Aprenda e compreenda a IA, em suas potencialidades e limitações. Parece óbvio, mas muitos executivos deixam as questões da tecnologia a cargo de seus gestores de TI. Mas, a IA não é uma tecnologia como qualquer outra, mas transformadora. Portanto, estar consciente de sua potencialidade e limitações atuais é essencial para a tomada de decisões, definição de prioridades e alocação dos recursos financeiros e humanos para se alcançar os objetivos de transformação dos negócios.
  2. Adotar IA em uma empresa não é questão de “se”, mas de “quando” e “como”. Assim, defina uma estratégia de negócios com envolvimento direto e intenso da IA, com objetivos claros e bem definidos. Onde a empresa quer estar daqui a dois ou três anos e como a IA vai ajudar a chegar lá?
  3. Não tente um “moon shot” logo de início. IA demanda uma curva de aprendizado e começar com projetos ambiciosos sem a experiência necessária é um convite ao fracasso. Jeff Bezos da Amazon, em sua carta aos acionistas de 2017 foi claro ao dizer em relação ao uso de IA que os seus esforços eram “quietly but meaningfully improving core operations”.
  4. Não se limite a projetos piloto e “AI labs” que apenas servem para fazer marketing, mas não contribuem para o resultado do negócio. Não buscar um “moon shot” não significa que você deve ficar restrito a protótipos. A IA só será útil se for aplicada ao negócio. Também não subestime os esforços para colocar IA em produção. IA dificilmente será uma solução por si, isolada, mas será parte de solução para o negócio, integrando-se aos outros sistemas e provavelmente provocando mudanças nos processos da organização.
  5. Prepare a empresa para a jornada. Mudanças nos modelos de negócio, nos modelos de operação, processos e organização afeta a todos, e as pessoas devem estar informadas e serem preparadas para aceitarem as transformações. Nós humanos tendemos a racionalizar e evitar mudanças sempre que possível. Sem o engajamento e entusiasmo das pessoas da organização, as mudanças não serão aceitas.
  6. Invista nas tecnologias necessárias e principalmente na governança dos dados. Os algoritmos de IA dependem de dados em volume, variedade e veracidade adequados e se os dados não forem úteis, os algoritmos não funcionarão a contento.
  7. Invista em pessoal, seja buscando talentos no mercado, seja treinando profissionais já disponíveis na organização. O desenvolvimento de sistemas com IA demanda uma equipe multidisciplinar, com conhecimento do negócio e tecnologia. Demanda preparação para saber escolher variáveis e treinar algoritmos evitando e minimizando vieses. Inclua, desde o início parâmetros de aderência à regulação, curadoria de dados e princípios éticos para esses desenvolvimentos. O fato de podermos desenvolver uma solução em IA não significa automaticamente que poderemos, se isso de alguma forma violar os princípios éticos da empresa.
  8. Adote modelos ágeis de desenvolvimento por toda a organização, incentive a colaboração entre todas as áreas da empresa e crie um ambiente propício e incentivador à inovação e experimentação. Para minimizar erros é necessário experiência, mas para obter experiência, precisamos cometer erros. Um ambiente individualista e “silado” não permite o nível de colaboração e ajuste que aceite erros como parte do processo de aprendizado. 

Uma tecnologia transformadora e de alto impacto como a IA, não é um destino, mas um meio para chegarmos a um novo modelo organizacional, social e econômico. Se será positivo ou negativo, vai depender de nós. Precisamos estar preparados para combinar o melhor da Inteligência Artificial das máquinas com o melhor da Inteligência Emocional dos humanos.

Cezar Taurion é Sócio da Kick Ventures e VP de Estratégia e Inovação na Cia Técnica, mentor e investidor em startups. Conheça sua trajetória e como ele se tornou um dos maiores nomes em Tecnologia da Informação no Brasil. Leia aqui