A Zappos é um e-commerce americano de sapatos que se tornou um dos maiores cases de sucesso no mundo quando o assunto é atendimento ao cliente. Claudemir Oliveira, fundador e presidente do Seeds of Dreams Institute, fez um curso de imersão dentro da empresa, em Las Vegas, e conta neste artigo sua experiência ao conhecer a fundo a cultura organizacional da marca.
Por Claudemir Oliveira,
Tive o prazer de fazer um curso de imersão dentro da Zappos, em Las Vegas, considerada referência mundial em atendimento ao cliente. A empresa tem uma reputação tão grande que decidiu criar a Zappos Insights que é um braço de treinamento para quem tem interesse em conhecer a fundo sua cultura, sua filosofia. Um valor considerável para um curso de três dias, USD 6.000,00, mas valeu cada centavo. Afinal, dentro da programação, tivemos dois encontros de mais de uma hora com o CEO (Tony Hsieh), na foto abaixo, com o fundador (Fred Mossler) e COO (Arun Rajan), além de vários líderes da empresa.
A primeira semelhança entre estas duas empresas é que a Zappos tem a ZappusU (fundada em 2008 como “Pipeline” e o nome foi mudado para ZapposU em 2012) e também a Zappos Insights (2009). A relação é praticamente a mesma com a Disney University e Disney Institute. A primeira treina apenas colaboradores, ou seja, são treinamentos internos, enquanto a segunda treina empresários que tenham interesse em conhecer a cultura dessas empresas. Vejo com frequência, muitas pessoas voltarem ao Brasil dizendo que fizeram curso na Disney University quando na realidade eles querem dizer Disney Institute.
Durante uma hora que estive com o CEO Tony Hsieh perguntei porque a Amazon pagou USD 1.2 bilhão pela Zappos se eles teoricamente estão no mesmo ramo de vendas online. Aqui outra semelhança que me trouxe a Disney de volta aos meus pensamentos. Ele explicou que as empresas continuam independentes, inclusive foi parte do contrato não ter influência da Amazon no jeito de ser da Zappos. Aí, antes de terminar sua resposta, ele explica as diferenças entre as duas. “A Zappos é mais ‘high touch‘ e a Amazon é mais ‘high tech‘”.
No meu novo livro, Walt Disney, De Marceline Para o Mundo, uma biografia deste gênio lançada pela editora Senac, eu falo um pouco sobre estas duas terminologias que não sabia que eram usadas por outras empresas. Em nossos programas de negócios em Orlando, entramos a fundo nestes dois conceitos para explicar as diferenças entre as empresas Universal (high tech) e Disney (high touch). Basicamente, elas têm em seu dna um toque altamente tecnológico e a outra tem um toque mais emocional. Isto não elimina, claro, a possibilidade de as duas terem atrações que incluam ambos conceitos.
Zappos: Personal Emotional Connection (PEC)
Voltando a Zappos, o CEO quis dizer que eles têm essa grande preocupação com o relacionamento mais próximo com o emocional do cliente. Eles, inclusive, usam o termo PEC (Personal Emotional Connection) que poderia ser traduzido como algo do tipo “conexão pessoal e emocional”. Na Disney, consigo ver algo bem semelhante que chamamos de VIP… muita gente conhece este termo como Very Important Person (Pessoa muito importante). Na Disney, tinha de ser diferente. A letra “I” significa INDIVIDUAL, ou seja, todos os clientes são muito importantes, mas todos são ÚNICOS e como tal devem ser tratados nessa linha de unicidade.
A empresa Zappos tem o recorde de tempo no atendimento ao cliente por telefone. Nada mais nada menos que 10 horas e 43 minutos de ligação. Já imaginou a cena? À primeira vista, parece algo inacreditável, mas pude perceber durante a imersão do curso que realmente os colaboradores não têm pressão para terminar a ligação em determinados minutos. Sim, é estranho, mas aí está a explicação de eles serem o que são. Conversei com vários atendentes que me falaram que eles não têm metas para atingir um número específico de ligações. Quando fui gerente de reservas da American Airlines, nos anos 90, sim, havia uma pressão enorme para que cada ligação não ultrapassasse 3 minutos. São culturas diferentes, tempos diferentes.
A cultura Zappos tem dez valores que são:
1 – Entregar WOW através do serviço
2 – Aceitar e estimular mudanças
3 – Criar diversão e um pouco de loucura
4 – Ser aventureiro, criativo e mente aberta
5 – Correr atrás de crescimento e aprendizado
6 – Construir relações abertas e honestas através da comunicação
7 – Construir um espírito positivo de equipe e família
8 – Fazer mais com menos
9 – Ser apaixonado e determinado
10 – Ser humilde.
Valores da empresa: redução de 47 para 10
Durante nossas reuniões na empresa, foi explicado que estes dez valores eram, na verdade, 47 e que eles fizeram uma redução. Eu, particularmente, ainda acho muito. Poderia ser resumido a alguns itens, mas isso é apenas uma opinião.
Outro ponto interessante na Zappos é que ela é uma das primeiras empresas a usar a holocracia. É um sistema criado pelo americano Brian Robertson para a gestão de negócios. Nas palavras dos próprios criadores do sistema, holocracia é uma nova forma de administrar uma empresa, que se dá através da remoção do poder de uma estrutura hierárquica, substituída por um sistema de distribuição da autoridade. Algo interessante mas que a própria Zappos está aprendendo com essa novidade, motivo pelo qual não me aprofundarei neste artigo.
Perguntei ao COO da empresa quais os maiores desafios em termos de investimentos e ele, sem pestanejar, confirmou que os custos com as entregas de correios ainda são suas maiores dificuldades. Perguntei se eles têm alguma intenção de ir para lojas físicas e a resposta foi que já tentaram, mas não é o foco da empresa. Fiz esta pergunta por um pensamento lógico: se eles são extraordinários em atendimento ao cliente através de um telefone, fiquei imaginando o que não fariam numa relação direta com o cliente numa loja, por exemplo.
Fidelização gera boa lucratividade
Voltando à questão de atendimento e as semelhanças com a Disney, 75% das compras realizadas são de clientes já existentes. A importância da fidelização na empresa acaba gerando boa lucratividade já que estes clientes compram muitas vezes durante o ano e suas compras têm valores mais altos do que aqueles clientes que compram pela primeira vez.
A empresa responde 80% de suas ligações em no máximo 16 segundos e tive a oportunidade de sentar por duas horas com um atendente para ver como eles encantam seus clientes. Analisando que os colaboradores não têm pressão para terminar uma ligação e, mesmo assim, eles conseguem essa façanha de atender os clientes em tão pouco tempo, eu perguntei a Arun Rajan, COO, qual era o segredo. A resposta já era esperada: eles têm um volume maior de colaboradores na central de reservas.
Para finalizar, uma das coisas que mais me chamou a atenção é como uma empresa pode ser considerada espetacular num atendimento por telefone. Enquanto a Disney tem a vantagem da interação com seus clientes nos parques, olhando nos olhos, tendo inúmeras oportunidades de encantá-los frente a frente, a Zappos faz isso através de um telefone. Isto, em si, já é magnífico. Acredito também que é um belo “tapa” na cara dos varejistas que têm a oportunidade única de encantar seus clientes na loja física e, no entanto, não o fazem. Que as lições da Zappos possam ensinar e inspirar a todos.
Claudemir Oliveira é o fundador e presidente do Seeds of Dreams Institute.