A “cultura do cancelamento” foi eleita, em 2019, como expressão do ano pelo Dicionário Macquarie, um dos responsáveis por selecionar anualmente as palavras e expressões que mais moldaram o comportamento humano. Mas o ápice do movimento veio em 2020, quando a pandemia elevou o nível de stress das pessoas, o que intensificou a vigilância na Internet e, consequentemente, influenciadores e empresas passaram a ser cobrados por suas atitudes e ações consideradas “questionáveis”.
Mas o que leva as pessoas a cancelar uma marca? De acordo com o Estudo “Cultura do Cancelamento Corporativo”, realizado nos Estados Unidos pela Porter Novelli, 69% dos entrevistados enxergam um propósito no “cancelar”. Eles responderam que “a prática tem o intuito de chamar a atenção para uma ação ou hábito negativo que precisa ser combatido ou corrigido”. Ou seja, não é apenas uma onda de ataques gratuitos para criticar pessoas ou marcas que desagradam.
A pesquisa também mostrou que as empresas precisam ficar atentas ao poder atual do consumidor: “64% utilizam as redes sociais para promover hashtags ou feedbacks sobre marcas, enquanto 72% se sentem capacitados e empoderados para se manifestar sobre a conduta, os produtos, os serviços, as iniciativas e qualquer outra ação das organizações.”
Outro ponto do Estudo que merece muito atenção é que para “34% dos respondentes, o cancelamento é positivo e traz benefícios à sociedade, uma vez que estimula uma reflexão sobre comportamentos negativos”. Em contrapartida, 30% dos entrevistados disseram que “os exageros estão presentes e tal cultura precisa ser reconfigurada ou exterminada, pois não traz nada de positivo.”
Postura extrema
“O cancelamento é uma postura extrema, uma disfunção das redes sociais, que tende a se agravar à medida que o diálogo com as marcas não se efetiva”, afirma Eraldo Carneiro, head de gestão de reputação e propósito na InPress Porter Novelli, representante da rede Porter Novelli no Brasil.
Segundo o executivo, “assim como os americanos, os brasileiros – um dos maiores consumidores de mídias sociais do mundo – entenderam que o cancelamento público é uma forma de expressar seu descontentamento, de mostrar sua desaprovação e forçar mudanças. Cabe às marcas e empresas serem coerentes com seus valores, reconhecerem seus erros, se for o caso, e mudarem suas atitudes. Para algumas, o cancelamento pode tornar-se uma oportunidade de rever seu comportamento.”
Abaixo, temas que motivam cancelamento corporativo, de acordo com a pesquisa:
- 70% – Justiça racial
- 68% – Quebra de protocolos da COVID-19
- 61% – Imigração
- 57% – Mudanças climáticas / meio ambiente
- 57% – LGBT+
- 57% – Religião
- 54% – Política
Cultura do cancelamento: “consumidor mais conectado, desconfiado e intolerante”
O que significa ser cancelado? Indaga Pedro Sampaio, head of marketing do PicPay, ao ministrar palestra no Encontro Marketing Innovation 2022, elaborado pela EBDI, que aconteceu em junho passado, no formato online. Segundo ele, existe dois tipos de cancelamento: “o que é ruim e é preciso aprender com ele. E o que parece ruim, mas faz parte.”
Faz parte porque, de acordo com Sampaio, vivemos em um mundo em que o consumidor está cada vez mais conectado, desconfiado e intolerante. E a polarização e o extremismo se fazem presentes. Sem falar na superficialidade, ou seja, pouca profundidade nas informações e relações humanas.
E dentro deste universo citado acima, as marcas disputam por atenção, por diferenciação e os consumidores cobram uma posição. “O que torna essa temática do cancelamento ainda mais quente: a panela de pressão apitando e girando enlouquecidamente”, ressalta Sampaio.
E acrescenta: “Mas existem marcas que fazem parte da estratégia delas, da cultura da empresa, da tônica da comunicação se posicionar em relação a diversos assuntos. Pois elas são marcas provocadoras”. E para essas empresas, o cancelamento acaba fazendo parte da estratégia da organização. Um risco que elas querem correr por dizer o que pensam.
Em contrapartida, a maior parte das marcas precisa aprender como lidar com o cancelamento, conforme ensina Sampaio abaixo:
- entenda a personalidade da sua marca e se faz parte da estratégia ser mais questionadora;
- trabalhe com pessoas que pensam diferente de você. Isso ajuda a eliminar vieses que podem passar despercebidos;
- quando o cancelamento rolar, respire fundo. Trate com frieza. Se pergunte e converse com mais gente pra tentar entender. Não chegue a nenhuma conclusão sozinho
- organize proativamente assuntos que podem ser sensíveis. Tenha statements prontos de como se posicionar em cada uma das situações. Não no calor do momento em que elas acontecem.
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